…da lágrima. Eu me lembrei de Albert Camus. Ele entendeu o seu gesto antes que acontecesse. O que está em jogo é uma pergunta pequena: “A vida vale a pena?” “Que sentido há em viver?” Estas, Maria, são perguntas que todos se fazem. Mas não temos coragem de dizê-las em voz alta para que todos ouçam. E para que elas não nos perturbem, nós as abafamos debaixo do trabalho, da caderneta de poupança, da novela, da religião, dos psicotrópicos. Como você, Maria, todos tememos e todos nos perguntamos se vale a pena viver – num sussurro.

Eu gostaria de ter podido ser companheiro na sua dor. Talvez você tenha mergulhado no mar por não ter sido possível mergulhar no amor. A solidão, o silêncio, a palavra sem volta – e a gente olha e vê as máscaras e as pedras.

Mas, Maria, você não precisava ter ido. Era isto que eu queria dizer. O canto das cigarras é belo, as nuvens continuam a dançar, há crianças brincando de “eu sou filha de carpinteiro da marré, marré, marré”, nada, nem mesmo os deuses, poderá apagar o fato de que Beethoven escreveu a nona sinfonia e o adágio da sonata ao luar…

Você me perguntaria: mas isto tem sentido? E eu lhe perguntaria, nas palavras de um homem a quem amo, Nietzsche: “Por que será necessário olhar primeiro atrás das estrelas para só depois viver a vida?” É necessário não pedir da vida o que ela não pode dar.

Queremos que ela nos gere deuses, quando ela só nos pode oferecer filhos pequenos. Não, Maria, “como dois e dois são quatro sei que a vida vale a pena”…

Não que eu tenha andado atrás das estrelas. É apenas o conselho da sabedoria de um velho feiticeiro índio, dom Juan. Quando lhe perguntaram que caminho a sua sabedoria dizia que deveríamos seguir, respondeu: “Não importa. Todos os caminhos conduzem ao mesmo lugar. Escolhe, portanto, o caminho do amor”. Você já chegou a este “mesmo lugar”. Mas o seu grito ficou e, quem sabe, ele ensinará mais amor a alguém…

Ouça aqui Valentina Lisitsa  ao piano tocando ‘Moonlight Sonata’ Op.27 No.2 Mov.1,2,3 (Beethoven)

Rubem Alves, publicado originalmente na revista “Bons Fluídos”. 1.5.2002.






Viver em harmonia é possível quando abrimos o coração e a mente para empatia e o amor.