A palavra oral na cultura indígena tem um grande poder. Sempre foi de responsabilidade dos mais velhos da tribo passar os ensinamentos, as histórias e mitos para os mais jovens.

Em nossa literatura, o índio nunca deixou de ser uma fonte inspiradora para nossos escritores. “O Guarani” e “Iracema” de José de Alencar, “Macunaíma” de Mário de Andrade, “Maíra” de Darcy Ribeiro e “Quarup” de Antônio Callado.

Contudo, estas obras tinham o olhar do homem branco e privilegiado de educação, mas a partir do século 20,  anos 90, após a constituinte de 1988, que garantiu aos índios o acesso à educação, e uma literatura genuinamente indígena começa a ser produzida.

Nas escolas municipais da cidade de Dourados no Mato Grosso do Sul, as crianças participam da contação de histórias da literatura indígena desde 2019.

A história foi contada pelas mestras tradicionais guarani, na língua guarani e depois traduzidas para as crianças pela professora kaiowá Linda Morales. A iniciativa é da professora indígena Cristiane Aedo. A ação denominada Pequenos Leitores, Grandes Escritores está em desenvolvimento em algumas escolas douradenses.

Um dos objetivos do projeto é diminuir o preconceito, aproximando as crianças dos anciãos indígenas, além de valorizar a língua guarani, divulgar a literatura indígena, estimular a leitura e a escrita das próprias histórias.

A seguir, uma lista de 10 livros que retratam os mitos e personagens da literatura de um povo sábio e ancestral e alguns dos títulos foram escritos por autores indígenas.

revistaecosdapaz.com - 10 livros sobre o universo indígena escritos por índios e não índios

A Terra sem Males: Mito Guarani

O mito guarani é o foco desta obra direcionada para o público infanto-juvenil. À simplicidade da narrativa somam-se a complexidade do mito e sua relevância na cultura guarani.

O leitor não índio, possivelmente, construirá um diálogo de parte do mito com a narrativa bíblica do Dilúvio, mas a narrativa abre as portas para uma discussão sobre as especificidades da cultura desse povo.

O autor Jakson Alencar monta a narrativa com grafismos geométricos, que dialogam com formas de expressões indígenas.

Questões diversas, como a história dos guarani, a resistência e diversidade indígena no Brasil, as migrações e a demarcação das terras podem ser aprofundadas, servindo como propostas para pesquisa.

O livro foi editado em 2009 e faz parte da Coleção Mistura Brasileira da Editora Paulus, São Paulo.

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Das Crianças Ikpeng para o Mundo Marangmotxíngmo Mïrang

Este livro faz parte da Coleção Um dia na aldeia. Os pequenos Ikpeng são os guias de uma narrativa que descreve 24 horas em sua aldeia. O texto, acompanhado do filme que o inspirou, em um enredo circular e edição bilíngue, é ideal para apresentar a cultura do povo Ikpeng, do Mato Grosso.

A autora e ilustradora, Rita Carelli, usa uma linguagem concisa, mas densa de informações e que possibilita a discussão sobre o que aproxima e o que diferencia este povo de outras culturas.

Tarefas, brincadeiras, costumes passados e presentes, festas e rituais, objetos ancestrais e cotidianos, papéis sociais, medos e perigos da floresta, além de mudanças incorporadas pelo contato com culturas europeias, fazem parte da obra.

O texto promove a abertura cultural ao outro e constrói pontes para a compreensão das diferenças sem preconceitos. A edição é da CosacNaify no ano de 2014.

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A Terra dos Mil Povos: História indígena do Brasil contada por um índio

Este foi o primeiro livro escrito por um autor indígena brasileiro, Kaka Werá, que traz novas  possibilidades de ver os índios na história e na literatura.

O texto mostra o poder da palavra na tradição ancestral indígena, aponta a pluralidade de etnias, conta como os povos nativos leem o mundo, constroem suas identidades e suas relações com os não índios, revelam respeito pelo poder criador e pela terra.

O livro é um relato individual e ancestral, mas muito mais que isso: trata-se de um convite para conhecermos a história tribal brasileira, a contribuição e presença dos povos indígenas no Brasil de hoje.

O livro é da Peirópolis, 1998, da Série Educação para a Paz.

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Câmera na Mão, o Guarani no Coração

Este livro de 2008 está na sua segunda edição pela Editora Ática. Nele, o autor Moacir Scliar, deseja promover o interesse pela leitura de “O Guarani” de Alencar.

Em uma linguagem contemporânea, o narrador conta, em primeira pessoa, como foi motivado à leitura deste romance do século XIX para produzir um filme e concorrer a um prêmio.

O que o leitor acompanha, porém, é a trajetória do personagem que vai aos poucos se transformando em leitor, não só de livros, mas de discursos, estereótipos, realidades sociais e contextos culturais.

O livro é uma oportunidade de aprendizado e de apreciação crítica sobre a construção do índio pela literatura do século XIX.

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Kurumi Guaré no Coração da Amazônia

Yaguarê Yamã é um autor amazonense que narra as aventuras infantis e descreve o povo maraguá. Além de acompanhar registros da memória do narrador, o leitor pode observar a composição multimodal do texto e os símbolos maraguá.

Grafismos indígenas constituem uma poética que traduz uma vontade política de expressão de identidade, também contam histórias complementares e podem sinalizar a origem do texto na tradição ancestral.

A compreensão da obra envolve uma leitura dos símbolos maraguá, do Glossário Nheengatú e de termos regionais amazônicos.

Há um enredo nos desenhos da obra de Yamã que lança o leitor para uma rede de significados construídos na interação entre palavra e imagem. O livro é de 2007, da editora FTD.

 

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Wamrêmé Za’ra: Nossa palavra – Mito e história do povo xavante, de Sereburã

O livro traz um envelope contendo a carta de Ailton Krenak sobre o valor dos velhos sábios, os guardiões da “Palavra Criadora”.   Há também cartões-postais com ilustrações que narram histórias encontradas nos objetos de arte dos povos indígenas. Como um prefácio, as imagens anunciam as palavras dos membros mais velhos da aldeia Pimentel Barbosa.

Suas vozes foram gravadas e traduzidas para a escrita por xavantes do Núcleo de Cultura Indígena. Em edição bilíngue, o texto é acompanhado por desenhos de jovens artistas da aldeia, fotos dos xavante e dos warazu, não índios, e por um panorama histórico que vai do século XVI ao século XX.

Os autores são:  Sereburã; Hipru; Rupawê; Serezadbi; Sereñimirâmi. A obra é da Editora Senac, São Paulo, 1998.

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Sepé Tiaraju: Romance dos Sete Povos das Missões

Há obras que buscam reconstruir, pela ficção, figuras indígenas heroicas. É o caso do romance que, narrado pela perspectiva de um jesuíta, em um vaivém da memória, destaca a resistência dos Sete Povos das Missões (RS) e de um dos líderes e guerreiros indígenas do Sul do Brasil, Sepé Tiaraju.

Na obra de Alcy Cheuiche, o personagem Tiaraju é apresentado pela visão do colonizador, Michael, ou Padre Miguel. Seu olhar constrói o herói indígena e a história da colonização dos povos indígenas pela missão catequizadora dos jesuítas e pela política europeia.

Documentos históricos, como os tratados de Tordesilhas e de Madrid, além de conflitos e migrações indígenas formam o contexto da obra. A edição é da AGE, RS, 2012.

 

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O Karaíba: Uma história do pré-Brasil

Editado pela Manole em 2010, o romance “O Karaíba”, Daniel Munduruku narra, em linguagem poética, a história de povos que viviam numa terra ainda não chamada Brasil, numa época na qual os índios não eram assim chamados. Não haviam sido colonizados, mas antecipavam mudanças vindas do contato com europeus.

O texto nos apresenta essa terra como um personagem com um passado, com povos que vivem à sombra de uma profecia anunciada pelo velho Karaíba, de que “um grande monstro” viria e destruiria tudo.

A obra preenche uma lacuna histórica e literária e apresenta costumes, crenças e leituras do mundo pela visão cultural indígena. Assim, constrói vozes para povos que não tiveram sua palavra registrada e enfrentaram a crueldade da colonização europeia e da escravidão.

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Amazonas: Pátria da água = Water Heartland

Com prosa e poesia, Thiago de Mello traça sua gênese e conduz os leitores em uma viagem pela extensão do Rio Amazonas, percorrendo sua história e dos homens que nele navegaram: os índios que chegaram à Amazônia, as icamiabas, os exploradores e cronistas europeus e o poeta.

Nesta edição bilíngue da Boccato de 2007, o leitor se encantará com as fotografias de Luiz Cláudio Marigo, e com o poeta que descreve com suavidade a beleza e a tristeza das águas, da floresta, das plantas e dos animais da Amazônia e trata de seus espíritos protetores, que tentam defender a floresta da ganância, do lucro, da caça predatória.

O poeta retrata os cantos dos índios, suas angústias e sofrimentos, mas anuncia a esperança de que a vida ainda pode ser salva.

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Maíra
O entrelaçamento das culturas indígenas e europeias nunca esteve tão em evidência quanto neste romance de Darcy Ribeiro.

Nele, o autor emprega seus conhecimentos para criar uma obra com esferas culturais e vozes narrativas que se cruzam: dos índios, dos não índios e dos seres sobrenaturais ou demiurgos.

O texto revela o encontro de cosmogonias e o entrelugar cultural de Avá/Isaías, um índio mairum que se torna sacerdote cristão, e Alma, jovem carioca que vive com os índios.

A história tem início com uma investigação policial, mas conduz à investigação das identidades culturais brasileiras, em uma narrativa cuja confluência de discursos é projetada no capítulo final.

Vale a pena ler esta obra para apreciar seu caráter multicultural e literário. Publicado pela Global em 2014.

Para conhecer detalhes de alguns autores indígenas clique aqui

Fontes: Carta Capital, Medium






Viver em harmonia é possível quando abrimos o coração e a mente para empatia e o amor.